A Literatura Apocalíptica é um gênero literário que encontra representantes tanto na literatura canônica, quanto fora dela.
Na literatura canônica, destaca-se Daniel no Antigo Testamento; e o Apocalipse de João no Novo. Naturalmente, existem outros textos com características nitidamente apocalípticas como mencionaremos na seqüência deste trabalho.
Na literatura extra canônica existem vários exemplos do gênero, citamos: O Apocalipse de Baruc, o Livro dos Jubileus, os Oráculos Sibilinos, os Salmos de Salomão, a Assunção de Moisés, o Apocalipse de Enoque, a Vida de Adão e Eva, o Apocalipse de Abraão, o Apocalipse de Pedro, o Apocalipse de Paulo, o Apocalipse de Tomé, e o Pastor de Hermas.
A literatura apocalíptica distingue-se da profecia por vários aspectos, entre eles mencionamos: o caráter esotérico, o sofrimento dos santos aliado aà esperança de libertação final mediante intervenção divina, grande julgamento intervindo na história, a vinda do futuro não como conseqüência do presente, e a visão dos ímpios como adversários de Deus. Outras características são: conflito cósmico, combate entre dois adversários fortes, relato em forma de visão, e atribuição de autoria a um famoso personagem do passado.
1.1 Origens do Gênero Apocalíptico
“A literatura apocalíptica foi o resultado de uma esperança invencível e indestrutível que tomou conta do coração do povo de Deus, em época de crise.” [1]
Se fizéssemos uma vasta pesquisa nos exemplos citados, inclusive entre os não canônicos, perceberíamos quanto a literatura apocalíptica se faz presente como fator gerador de esperança entre aqueles que passam dificuldades.
No ano 586 aC.C., Jerusalém havia sido destruída, e as elites israelitas estavam exiladas; Neste contexto surge um movimento reformador com duas tendências, que são antecessoras daquele que ficou designado como apocalíptico.
A primeira foi dirigida pelo grupo sacerdotal sadoquita, de tendência hierocrática, seu projeto era a reconstrução do Templo e do culto, como meios de restauração do povo. Sua contribuição para o movimento apocalíptico, e o gênero literário que ele criou, foi uma simbologia que se contrapunha ao mundo imperial persa, e uma linguaguem bem peculiar. Essa simbologia tornou-se uma das características mais evidentes do gênero apocalíptico.
A segunda, caracterizada pelo profetismo popular, baseava-se na escatologia apocalíptica do Dêutero-Isaías, e visava a reconstrução do povo sem necessariamente reconstruir as estruturas. O movimento apocalitííptico é a continuação histórica desta tendência.
Por volta de 90 d.C., a Igreja cristã começou a sofrer perseguição de forma mais intensa por parte do Império Romano. Uma vez mais, em uma situação de crise fez-se uso do gênero apocalíptico para confortar o povo, e assegurar-lhe a esperança da intervenção divina em seu favor.
Como podemos observar, a Literatura Apocalíptica surgiu como uma resposta, uma reafirmação da certeza de que apesar das dificuldades momentâneas, no final, Deus conduziria seu povo à vitória; e ainda, da necessidade de divulgar as mensagens de Javé por meio de símbolos, uma vez que o Seu povo se encontrava em perigo, o que se tornou uma espécie de marca registrada do gênero.
1.2 A Apocalíptica no Antigo Testamento
No Antigo Testamento, encontramos alguns representantes deste gênero, dentre eles destaca-se - até por ser o maior - Daniel, cujo “autor reviu a história da época do exílio ao seu momento presente. Ele pretendia confortar e encorajar seu povo (...) o próximo passo só poderia ser a intervenção pessoal de Deus em seu favor.”[2] O que indica a apocalipticidade do texto.
O encorajamento ao povo tão necessário em uma hora de crise, contribuiía para enfatizar a idéia do remanescente fiel, bem como nutrir a esperança messiânica; o que é perceptível mais adiante, quando no tempo do Novo Testamento alguns nutriam expectativas messiânicas em relação a Cristo. Convém esclarecer, que esse messianismo presente naquela região, carregava consigo fortes conotações políticas.
1.3 A Apocalíptica no Novo Testamento
No Novo Testamento encontramos o maior, e mais típico representante deste gênero - exceção feita aà questão da autoria que não é atribuída a um distante personagem do passado, mas ao Apóstolo João - O Apocalipse de João, que retrata a perseguição da Igreja, e a sua vitória associada à do seu Mestre que ressuscitou.
Outros textos, com indicações deste gênero no Novo Testamento, são: Marcos 13; Mateus 24-25; Lucas 21.5-36; 1 Tessalonicenses, especialmente 4.13-5.11; 1 Coríntios 15; Gálatas 1; Romanos 1-8; 2 Tessalonicenses 2.1-12; Efésios 6.10-20; Judas.
Como constatamos pela exposição acima, o gênero literário apocalíptico, tem representantes também fora das fronteiras canônicas; e, à época em que surgiu o Cristianismo, já era conhecido; eventualmente, a Igreja cristã fez uso dele para conservar e propagar a sua mensagem, quando os poderes dominantes a ela se opuseram.
Para os cristãos - como para os judeus havia sido no passado, e de certa forma ainda o era no primeiro século - a apocalíptica foi uma forma de resistir às dominações que se impunham, ao tempo em que as forças para resistir eram renovadas.
Isso nos conduz a uma reflexão sobre o momento presente, e suas dificuldades; bem como sobre o grande desafio para a Igreja, sobre como prosseguir em sua caminhada rumo a eternidade apesar das grandes dificuldades que ela enfrenta às vesperasvésperas das comemorações do jubileu do nascimento de Jesus Cristo.
Comemoramos dois mil anos do nascimento de Cristo, com o Cristianismo dividido em três grandes ramos - católico, ortodoxo e protestante - juntos, seus fiéis espalham-se por metade do planeta. Se analisados individualmente, observaremos subdivisões - igrejas nacionais, denominações, ordens, ... - e tanto entre elas, quanto entre os ramos maiores identificaremos perseguidores e perseguidos; aqueles que em nome da fé se armam, lutam e matam apesar de cristãos; como é o caso do conflito entre o Exército Republicano Irlandês, formado por católicos, e o governo britânico da Irlanda do Norte, de orientação Anglicana.
Encontraremos ainda, aqueles que lutam pela sua sobrevivência como cristãos em meio a outras religiões, como é o caso dos cristãos que residem em países árabes. Esses últimos, podem a exemplo dos primeiros cristãos, encontrar na literatura apocalíptica esperança para prosseguir em sua caminhada, apesar dos graves problemas e dificuldades que enfrentam como cidadãos, nas sociedades em que estão inseridas as suas igrejas.
[1] SANTOS, João Ferreira - A Mensagem do Apocalipse Hoje - Conferência nº 10; Recife, 1996. p.2
[2] GABEL, John B.; WHEELER, Charles B. - A Bíblia Como Literatura, uma introdução - p.124.
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